Dispenso definições. Escolho pela metamorfose de escrever livre, longe de qualquer vulto de encaixe. Se me perguntarem sobre o que é isso, hesito em responder. Apenas sinto...

terça-feira

Meu mar é você

Meu pedacinho de mar
Minha brisa de sonhos e sais
Vem dentro de mim fazer onda 
Quebrar minhas limitações 
Palpitar minhas emoções

Minha pequena água flutuante 

Meu azul mais que azul
Vem dentro do meu peito 
Festejar o amor marítimo
Brincar de ser o meu menino-sereia

Meu sonhoceano

Meu desejo de navegar a fundo
Vem saber ainda os mistérios e paixões
Que guardo no baú somente para ti
Sacramentado na concha do meu coração

Minha leve areia de repousar

Minha pedrinha mais bonitinha
Vem sem medo e sem vergonha
Mergulhar na imensidão do meu olhar
E se tornar estrela de além-amar



quinta-feira

Duvidar ou não duvidar? Eis o amor

É hora de chorar um pouco, esvaziar a garganta seca com angústias. Com essas lágrimas aqui, vejo o espectro dos meus erros e acertos, e a conclusão que chego é sempre a sua: tudo termina dentro de ti. O processo de tentar te esquecer termina em ti, o processo de tentar NÃO te esquecer termina em ti, o processo de te fazer viver em mim termina em ti. Não há fugas. Por todos os lados há respingos teus. Desisto dessa batalha cansativa de te compactar. Vou liberar tudo que posso para que meu pensamento nos resgate do terreno nebuloso da interrogação. E percebo que o amor e a dúvida são cúmplices indissolúveis, estão longe de ser inimigas coabitáveis. A dúvida dá ao amor a possibilidade de se melhorar, e o amor retribui para que a dúvida nunca se revele em esquecimento.

terça-feira

No Consultório da Alma


Sintomas: Inspiração zero. Ideias bloqueadas. Imaginação infértil. Fé abalada. Esperança machucada. Sonhos retraídos. Consciência incerta. Desejos abafados. Escrita vazia. Inteligência cansada. Sorrisos fracos. Solidão involuntária. Livros inacabados. Lembranças paralisantes. Filmes carregados. Olhos úmidos. Sonos inconcluídos. Músicas doloridas. Criatividade anulada. Saudades cortantes. Amor em pulsação.

Diagnóstico:  Estado de vida em espera. 

segunda-feira

Afetos Indissolúveis

. ..Onde você se esconde quando procuro por mim? Onde minha alucinação repousa quando te empresto o meu sangue cardíaco? Não corras na direção avessa a nós, pois em qualquer rastro que você escolher seguir estarei fincado a seu corpo como um parasita que sobrevive dos teus abraços. Te guardo aqui no canto secreto da esperança, te guardo de toda dúvida e ausência que ameace sua moradia em mim. Espanto os monstros da solidão e do medo com a tua lembrança estampada no meu peito, destruo qualquer ameaça de padecimento com a minha vontade de eternidade de ti, e continuo costurando sua anatomia nas minhas entranhas. Não há como fugir: somos inquilinos um do outro, um mutualismo sentimental obrigatório, um caso afetivo indissolúvel. Seremos eternos em nós...

domingo

A Outra Insônia Nossa


Não adianta. Já passa das duas da manhã e nenhum vestígio de sono, nem mesmo um bocejo de consolo. Estou como que ligado a uma energia soberba de tuas memórias, numa insônia digna de um escritor de romances decadentes. Sinceramente, desejaria agora um sono pesado para escapar da loucura de me renegar como ilegítimo. Uma cama bem profunda para afundar tudo dentro dela, sem transtornos emocionais. Agüentaria tranqüilo uma dose de vinte quatro horas apagado. Imagine se ausentar da trégua de viver por um dia...seria um agrado para quem tem míseras seis horas de sono mal-concluído.

Mas toda insônia tem um fundo de verdade, e a minha tem sido a sua. Onde estará você agora? Sua carne e osso com certeza estão lhe pertencendo agora, mas eu guardo teus desejos comigo, dos mais simples aos mais terríveis. Levo teus sonhos para criar os meus, e vou elaborando meu plano de te pertencer de novo.  Alguma vantagem tinha de sair dessa madrugada de chuvas e ausências. E saiu: isso de ficar te resgatando na saudade é uma vantagem e tanto, mesmo que os efeitos colaterais incluam olhos úmidos. Esperava qualquer resposta que me aquietasse, sentir um punhado de paz no coração.  Telefone mudo, peito em estalo, unhas ruídas, palavras inchadas, esperança em estado de alerta, amor protegido: essas foram as conclusões das horas que passei querendo te encontrar no meio de tantos escombros. Mas não se preocupe. Eu não desistirei nunca da nossa salvação.

sábado

Uma Visita em Gotas

Agora entendo a sua aversão aos dias de chuva. Eles são realmente catastróficos para o coração. Senti isso hoje, quando a tarde foi dominada pela água. Com a cabeça encostada no vidro da janela, as lembranças viam de gota em gota, me desafiando a ser forte. Não quis ter força alguma naquela hora. Queria era desabar junto com a chuva, despressurizando minhas neuroses e incongruências. E são tantas dessas. Mas a que mais me atingia era a nossa neurose e a nossa incongruência, que por sinal é a mais eterna de todas.

Você nunca errou quando dizia que a chuva tinha um poder melancólico. Digo mais: ela participa junto conosco da gloriosa arte de se compreender, mesmo sabendo da impossibilidade de uma conclusão eficaz. De fato não interessa os concluídos, e sim os perdidos. E a chuva continuava, e você se revelava naquela tarde como uma presença invisível de olhos, mas latente de coração. Eu senti seu cheiro, sua pele úmida e sua sinceridade através do vidro embaçado, e eu agradeci aos deuses da ilusão por ter você mesmo sem te ter.

A chuva não foi tão má assim como você afirma. É certo que ela me acertou na tristeza, isso eu não posso negar. Mas se não existissem as gotas dessa sexta meu encontro contigo não teria sido tão nosso. Eu fiquei cara a cara com o teu espelho e pude ver que o amor é um grande sobrevivente. 

quarta-feira

O Que Tem Dentro da Saudade?

     Dentro de um livro, te encontrei em um bilhete escrito com letras simples e sinceras, tão carregadas de sentimento que não imagino como um papel tão leve agüentasse tanto amor grafado nele. Com mais um pouco de passos, dentro da gaveta da escrivaninha te encontrei em um simpático chaveiro que nunca usei, mas que sempre que abro a gaveta ele esta lá, sorrindo para mim como se você tivesse lhe emprestado um sorriso. 
     Dentro do armário do banheiro, quem diria..., te encontro em uma escova de dentes gasta, meio aposentada, mas que parece viva na minha  frente. Numa caneca estampada, que você diz que ser esquecida por mim, dentro dela eu também posso claramente te encontrar, mesmo assumindo o seu pouco uso na hora do café. E quando menos espero, num lugar nada sentimental e muito mercenário, te encontro: dentro da carteira, um retrato 3x4 materializa tua presença por alguns instantes sagrados. 
     E sem falar nos lençóis, chocolate, músicas, risos, esperanças, viagens, sushi, sonhos, segredos...ah, são tantas as tuas vidas dentro da minha. Tuas permanências vagam por aqui, soltas no espaço da indefinição, desvendando junto comigo o que tem dentro dessa dor metamorfoseada em saudade. 

segunda-feira

A Via Láctea do Meu Apartamento


Caramba, não sabia que um apartamento poderia ser tão terrível quando apenas a solidão é sua hóspede. Os minúsculos metros quadrados se proliferam em um claustro de paralisação. E a perdição colabora para o confinamento. Você simplesmente não sente vontade alguma de passar a chave na porta e encarar as ruas barulhentas e os corações calados das pessoas, pois você também está calado naquele momento. Calado e preso. 

Anda de um lado para outro procurando alguma tolice para gastar seu tempo, mas só encontra cerâmicas frias que não aprenderam a falar ainda. Mesmo sem fome, entra na cozinha, abre a geladeira. Nada especial, o de sempre. Mas tanto faz, o que importa é mastigar, seja uma maça ou um chocolate da semana passada embrulhado num papel colorido. Enche o copo de água só para sentir algo leve em sua garganta, ou quem sabe umidificar a solidão que já subiu coração acima. As gotas resfriadas se exibem no vidro do copo, lembrando uma das lágrimas que caíram a pouco tempo no travesseiro estampado.

Passa pela sala sem reação alguma, pois lá as coisas acontecem de uma maneira prática. Revistas, televisão, correspondências, cadeiras e mesa, tudo se eximiu diante da minha implosão emotiva. Me expulsaram de lá, essas coisas insensíveis que habitam a sala. E, no meu quarto, é onde a maiorias das minhas loucuras acontece. Desespero, lembranças afiadas e angústia povoaram as quatro paredes brancas. Deitado na cama, o meu pensamento ia se desfiando como um pedaço de carne para ser devorado. Mas, ao contrário de uma carne suculenta, o que se via ali era um mingau ralo, sem gosto, vomitado pela fraqueza de ingerir emoções. O choro vinha agudo, apertado pela enxurrada de lembranças. E o ciclo não queria se romper. O quarto cada vez mais se espremia e se agigantava, conforme eu conduzia meu show particular de masoquismo emotivo.

De repente, houve um intervalo dentro de mim que pedia para aquilo encerrar. Obedeci ao estranho chamado, o qual nem sei de onde realmente veio. E, por um impulso sem cálculo, me dirigi ao banheiro, um lugar neutro e acolhedor. Talvez pela sua brancura de paz, ou pelo seu caráter despretencioso. Foi lá, na pia, com a torneira ligada, que joguei água em meu rosto, numa tentativa de acordar da tortura vivida no quarto.

Acordei, mas não completamente. Levantando o rosto diante do espelho, percebi que faltava alguma coisa ali. Lembrei dele, e isso me estremeceu. Eu percebi que me faltava, ali, sempre e desde, uma dose de coragem. Coragem para fazer do amor algo decente para a vida. 

sábado

Nas Entranhas do Coração Selvagem

Depois daquele telefonema inesperado, Ele não reagiu. Mesmo durante a conversa a sua antireação foi simplesmente ouvir. Atento a cada sílaba, não estava preparado para argumentar. O que mais ele conseguia fazer era juntar passado e presente, imaginando dessa mescla algum futuro. Naqueles segundos, o mais perfeito estado que o definia era letargia. Passou o dia em regressão, caçando entre suas inúmeras falhas e acertos algo que fosse memorável. Quanto tempo iria durar aquela abstinência de respostas? Ele caíra numa certeza terrível: sempre vivia na flutuação. 

Acordou na manhã seguinte com a sensação de solidão. Pelo menos já era um passo a infame letargia anterior que o paralisou. Pensou imediatamente em pegar o telefone, discar o número do seu desespero e fazer com que aquela sensação aniquiladora de ausência sumisse. Mas desistiu. O que iria falar? Daria um prolongamento ou uma resolução para a sua angústia? Perguntas, era só isso que seu coração podia lhe oferecer no meio da manhã de uma terça cinza. 

No fim da tarde uma lágrima veio, estimulada por uma dessas canções sob medida para tempos difíceis. Na voz feminina de Alanis com Not as We se expressava toda a carga que ele acumulava. Propositalmente ele queria chorar, queria que "a ficha caísse". É nessas horas que percebeu o mundo Nós guardado em sua cabeça. As lembranças lhe cutucavam feito uma danação. Tudo girava em anti-horário. "De uma coisa não se pode escapar: os senhores são as lembranças", refletia.

Ele queria alimentar aquilo. E por isso achou uma forma eficaz e simples: a cada música, certas lágrimas corriam, o peito sufocado querendo extravasar, e o choro é uma maneira limpa de depurar sentimentos. Escolhia as canções mais dolorosas, aquelas com espinhos em cada letra. Estava entrando em um círculo vicioso: quanto mais canções de dor, mais lembranças de punhal, mais lágrimas loucas, mais dúvidas involuntárias, mais saudades lacerantes, mais canções, mais lágrimas, mais...

E nisso a madrugada nasceu. Resolvera então escrever sobre seus conflitos, mesmo sabendo que isso só nutriria sua fixação nas lembranças. Mas o que ele queria era meter o dedo na ferida, tirar pus, fazer sangrar, inchar e piorar. Talvez assim achasse uma solução purificadora para o caos da incomformação. 

Dedicado, ele passou as silenciosas horas da madrugada a desvendar o mistério escondido por trás de sua covardia em não lutar contra aquele terrível telefonema inesperado do começo dessa frágil história.

quinta-feira

EU RECOMENDO: Dois Irmãos (2010)


 Simplesmente cativante. Essas duas palavras resumem a sensação que tive depois de ver Dois Irmãos, filme argentino lançado em 2010. Com personagens marcantes, o filme se dedica ao tênue relacionamento de Susana (Graciela Borges), mulher egocêntrica, manipuladora e possessiva, e Marcos (Antonio Gasalla), um senhor sensível e atencioso. Ambos são irmãos, mas não se entendem devido ao choque de visões de mundo. Simples assim, o roteiro se constrói focando os atritos entre eles, mas de uma maneira tão deliciosa de ver que o drama por vezes troca de papel com a comédia, e o telespectador mergulha numa confusão de gêneros que torna Dois Irmãos precioso.

A personagem Susana traz um cinismo malicioso que ora se transparece em uma vilã sem coração, outra uma desastrada e desajustada que não sabe o que quer, carregando uma inocente amargura que mais parece uma criança mimada. Esse caráter transitório de Susana dá a personagem uma comicidade que não a torna odiada, salvo em algumas exceções, pois ela sempre está em busca de humilhar o irmão, frágil e compreensivo. Marcos, por sua vez, representa o lado gentil do filme, trazendo o filho dedicado que ficou ao lado da mãe até a hora da morte.

A direção é do argentino Daniel Burman, o mesmo que dirigiu a trilogia O Abraço Partido, As Leis de Família e Ninho Vazio, todos abordando o universo familiar. O roteiro não traz aventuras mirabolantes nem peripécias fantásticas entre os dois irmãos, pois a graça do longa reside nas desavenças e situações cotidianas entre Susana e Marcos e nos desejos e sonhos que cada um guarda e ambiciosa alcançar, cada qual a seu modo.

As interpretações sinceras de Graciela Borges e Antonio Gasalla não deixam que a obra caia na monotonia de um drama chato e caricato. Dois Irmãos prova que com simplicidade no roteiro e um par de atores competentes é possível sair da comédia bobalhona dos enlatados americanos e extrair risos honestos de uma historia que comove e diverte em dosagens justas. A convivência entre os personagens reflete realidades que podemos encontrar em qualquer ambiente familiar, e essa aproximação delicada com nosso dia a dia é mais uma justificativa para que o filme não passe como uma simples distração de final de tarde.               

quarta-feira

Linhas de Salvação


Em cada linha que sair desse lugar haveria de ter uma oração dentro, guardada só para teu alcance. Você leria minhas palavras como se fossem sagradas, intempestivas de felicidade e energia vital. Seria como um desenho dando vida ao seu personagem, que sai do traço para a batida do coração. Se eu pudesse ter o poder da salvação nas minhas palavras nos resgataria dessa tormenta emocional. Tiraria de vez essa nuvem que nos ofusca para ter um caminho limpo pela frente. Eu sei que é tanta explosão a cada hora que fica difícil se controlar. Sinto isso também. Mas, às vezes por covardia ou fraqueza, faço disso uma implosão. Você tem a coragem de romper para refletir, de mudar para renascer. Isso é fantástico, admiro sua capacidade de encarar as coisas de maneira legítima, afinal você é raro. Faz milagres em meu sentimento, simplesmente estando aqui. É por isso que quero, desejo fortemente, ter palavras mágicas, redentoras, libertadoras para te salvar também. Eu te salvo, tu me salvas, nós nos salvamos.

terça-feira

CLÁSSICO: Alien - O Oitavo Passageiro (1979)


Suspense, drama, terror.  Tudo isso contido numa ficção cientifica centrada em um vilão alienígena. É assim que Alien – O Oitavo Passageiro, de 1979, guarda um simbolismo de peso mesmo depois de mais de 30 anos de seu lançamento. Sete tripulantes em uma nave espacial de volta à Terra recebem uma transmissão desconhecida, aterissando em um planeta estranho.  Lá, dão de cara com um ser não identificado, que ataca um deles, que quando resgatado leva junto o alienígena que fará uma aterrorizante viagem como o oitavo passageiro.


O enredo simples caberia numa história trivial de um monstro perseguindo humanos. Mas o diretor do longa, Ridley Scott (Gladiador, Hannibal, Thelma e Louise), transforma o hermético cenário da nave espacial Nostromo num ambiente assustadoramente claustrofóbico onde a tensão reina na tela, e a cada cena o suspense paralisa. Não só bons sustos sustentam o clássico, mas a inteligência de Scott se mostra também numa dosagem sutil de conflitos temperamentais entre os tripulantes, num jogo em que o caráter e as atitudes de cada um humanizam o filme, ultrapassando o rotulo de ficção cientifica boba e mecanizada.


O temido vilão é assombroso: quando filhote tem tentáculos que grudam na face da vitima de maneira sufocante; adultos, tem uma cabeça desproporcional e uma boca que se projeta para fora. Além disso, possuem um eficiente mecanismo de defesa: o sangue se compõe de um acido altamente corrosivo. Com uma criatura dessas, imagine o que sete humanos normais terão que fazer para combater, em nível de desvantagem, o alien. E quem se destaca entre esses humanos é a tenente Ripley, interpretada pela atriz Sigourney Weaver (Avatar, Os Caça-Fantasmas, Orações para Bobby). A atriz é brilhante na atuação junto com o monstro, pois ela realmente transpassa todo o desespero e a vontade alucinada de sobreviver, sem exagerar na artificialidade. Apesar de Sigourney relevar em entrevistas que não simpatizou muito com esse papel e com as outras três continuações da trama, cuja motivação principal foi o cachê milionário, a tenente Ripley foi o primeiro papel principal da atriz na sétima arte.


Um clássico da ficção cientifica, uma atuação primorosa de Weaver, um alienígena implacável e bem projetado, uma referência na filmografia de Ridley Scott: Alien - O Oitavo Passageiro não é apenas mais um filme de extraterrestres querendo sangue, é titulo obrigatório para os apreciadores da ficção bem argumentada e inteligentemente instintiva.

O Primeiro Contato                          O Nascimento                                O Amadurecimento


 

Amanda e a navalha macia (Fragmentos do personagem Fernando Vitório)

"Quando a primeira gota caiu, foi como um primeiro beijo em minha face. Aquela cor vermelha, viva e viscosa, se esparramando no chão me deixou exausto de tanto imaginar. Mas antes da gota primogênita, veio a navalha amolada entrando na carne, como um arquiteto em uma de suas obras noturnas de inspiração. A jovem de cabelos loiros estava naquele momento me amando de um jeito diferente, estava sangrando sentimentos para que eu me revivesse. Infelizmente ela não compreendia o quanto aquilo não tinha absolutamente nada a ver com maldade, nem com vingança, era apenas um corte delicado de amor em seu frágil corpo. Amanda era uma das minhas vítimas mais sensíveis ao corte macio da navalha, pois seu sangue brotava como a um rio a deslizar, com águas negras e um desejo puro. Pois é, o meu desejo é puríssimo, involto pela nobreza de amar. Apenas difere na forma: Só consigo absorver emocionalmente o outro quando o elevo ao estado de hibernação perpétua". 

domingo

Boa Viagem, Andarilho!

Resisti enquanto pude escrever sobre ele. Nenhum motivo especial me impedia, apenas e cruelmente a preguiça. Isso é o mínimo que ele merecia de mim, acho que por ser covarde só lhe posso dar palavras. Com certeza ele quer mais do “isso”: um bom prato de comida, um banho revigorante, um emprego simples e uma casa para morar. Principalmente, uma casa. Pois bem, amigos, ele não tem lar. Como não sei o seu nome e muito menos quem ele de fato, o chamo, de O Andarilho de Boa Viagem

Explico-vos: Todas as manhãs, quando passo de ônibus pela Avenida Conselheiro Aguiar, o vejo da janela: vestido com uma bermuda rasgada, sujo, barba crescida e tristemente magro, passeando pela calçada como se buscasse o que o mundo lhe privou. Da minha janela, na posição confortável de inutilidade e covardia, o observo, na sua posição miserável de esperança. Primeiramente, sinto por ele um dos mais indignos sentimentos: pena. Depois, ódio. Ódio por ele ainda querer sobreviver com tamanha falta de vida ao seu redor. Ainda bem que esse ódio passa rápido, graças ao meu estoque inviolável de bom senso. Depois, divago o porque de sua situação, tentando entender como ele atingiu o ponto de abismo. 

E nesse breve mergulho matinal nas entranhas famintas do Andarilho, eu percebo, com medo, que nós dois guardamos distâncias que nos matam a cada dia: ele é distante do mínimo de humanidade para sobreviver a extinção alimentar; eu, distante do máximo de ineficiência para viver entre os solidários. A começar por isso que faço aqui: escrever um punhado de especulações pseudo-literárias a quem agora se embrulha de fome e frio! E de alguma forma, mesmo que ridícula, desenvolvi uma necessidade com ele, uma dependência visual de encontrá-lo todos os dias. Necessidade quase sempre correspondida, pois pouquíssimas vezes ele falhou comigo na presença diária. E quando some o procuro na próxima esquina, com os olhos cínicos de quem precisa a confirmação de sua permanência por ali. Uma espécie de distração filosófica para a monotonia de uma avenida de prédios, cachorros bem tratados e paradoxos urbanos. 

De onde ele veio? Tem família? Como ele se alimenta? Ele ainda guarda esperanças? Viverá até a sua próxima exibição para a minha janela egoísta? Questiono calado no meu banco de passageiro. E sigo parado na minha agenda de atitudes louváveis. E o Andarilho caminha, indo e vindo, não importa a ordem, o essencial é o deslocamento. Para ele, o temor de amanhã não existe, pois o seu hoje é sempre o último. 

sábado

Delírios Líricos de Saudade Bate-bate ou Texto Desesperado da Espera Incessante



Saudade apertando aqui feito doença cardíaca, feito vício de cafeína e pimenta. Tento olhar as coisas que te lembram, talvez me confortem num instante de loucura, ou talvez me tragam mais teu vivo. Mais é uma saudade boa, não de despedida, mas de espera ansiosa, de abraço duradouro e de sinceridade. Enquanto isso, vou fazendo os elementares por aqui, enquanto não me acompanha. Preciso confessar: hoje a saudade doeu um pouco, um pouco mais do que queria que saísse. E saiu junto com uma lágrima de lembrança. Uma sensação estranha de estar perdido me tomou num segundo, mas de imediato me veio teu pensamento que me tirou desse buraco terrível de estar só. A graça de alguns detalhes simplesmente se ofusca nos dias sem ti, na verdade até parece clichê dizer assim, mas é uma eternidade mesmo te esperar. Tente ser rápido por aí, que eu vou tentar ser devagar por aqui. Mais uma vez, saudades explodem, cortam e me balançam de um lado para outro. Te amo abertamente, sem vidros nem chaves, com o peito aberto para tua verdade. Beijos com asas!

quinta-feira

Café da Manhã em Plutão (2005)


Ambientado nos anos 70, na explosão dos conflitos entre irlandeses e ingleses, Café da Manhã em Plutão retrata, desde criança, as desventuras e artimanhas de um travesti na procura pela sua mãe. O que poderia ser um enredo digno de uma tragédia açucarada se transforma em um delicioso drama pontilhado com humor e irreverência, num equilíbrio sensato entre choros e risos. Com direção de Neil Jordan, aclamado pelos filmes Entrevista Com o Vampiro (1994) e Traídos pelo Desejo (1992), o filme explora a homossexualidade na figura de Patricia (ou Patrick) Kitten Braden, trazendo a figura clichê do travesti alegre e desbocado, mas sem cair no piegas do dramalhão esteotipado. Pois, apesar do personagem caricato, a trama cai numa harmonia espontânea e divertidíssima de se construir uma densa historia de vida com senso de humor. Palmas magistrais para ator Cillian Murphy, que dá corpo e alma a Patricia. Para aqueles que viram Cillian em Batman Begins (2005) e Vôo Noturno (2005), aqui ele se metamorfoseia de uma maneira digna de respeito, e muitas vezes se tornando irreconhecível sua associação com personagens psicopatas, tamanha é sua capacidade de se totalizar com o universo gay. Fugindo das crises existenciais, Patricia não é o cara que se olha no espelho e se vê perdido diante da situação de ser o que é. Ele, ao contrario, se aceita perfeitamente e age de acordo com seus instintos. Apesar da delicadeza e feminilidade que Cillian Murphy traz ao personagem, não vemos em Patricia uma fragilidade inibida, mas sim uma instrução de que a aceitação começa por dentro. A criança adotada, mesmo no ambiente familiar hostil, se expressa sem receio suas preferências, e quando adulto sai de casa, na Irlanda, a procura da mãe, na Inglaterra, e mesmo com os desvios no seu caminho, Patrick nunca deixa Patricia sucumbir, e fica firme de salto alto e peito aberto a qualquer provocação. Café da Manhã em Plutão poderia ser um simples filme sobre um travesti qualquer com objetivo piegas de reencontrar a mãe que o abandonou na porta de um padre de coração bom. Mas não. É divertido e profundo na medida certa, remexe no ponto ácido da rejeição da sociedade pelo diferente, sem esquecer de que o mundo das Patricias é uma comédia feita de coragem e determinação.  



A METOMORFOSE DE CILLIAN MURPHY

terça-feira

Não. Sei que...(A Falta)


Me perguntaram um dia se eu era feliz. Respondi: "Não sei". Me perguntaram outro dia se eu sabia o que era ser feliz, eu respondi: "Não sei". Mais outro dia, depois desses dois, me perguntaram se eu já fui feliz, respondi: "Não sei". Seguiu-se mais um dia, e me perguntaram, delicadamente, se eu pensava em ser feliz, respondi: "Não sei". Quando eu achava que já estava livre de tantas indagações (in)felizes surge outro dia, outra pergunta, outra repetição de palavras nesse texto. Então, finalmente me perguntaram se eu tentava ser feliz. Essa eu fiz questão de ficar calado.


domingo

- Papai, pra que serve o Natal?


O Natal está chegando! Oba! Tempo de confraternizar, de rever os amigos, de se deliciar com as maravilhosas receitas, de comer peru e panetonne! Tempo de dar presentes e receber também! Tempo de ser feliz! – FELIZ ??? HUM...ACHO QUE NÃO...APAGA TUDO ISSO!!! ESQUECE O QUE EU FALEI! - Pensando bem, Natal é tempo de ajudar os mais necessitados, de ser solidário com o próximo, de celebrar o nascimento de Cristo, de ir à igreja pedir ao nosso Pai Celestial mais amor e paz. – HUM...TALVEZ NÃO SEJA ISSO, ACHO QUE ESTOU ME ENGANANDO DE NOVO. FICO CONFUSO SEMPRE QUANDO CHEGA ESSA ÉPOCA DO ANO. MAS,...DEIXE-ME VER...AH! NO FUNDO, NO FUNDO MESMO, Natal é tempo de não ter tempo, de se espremer entre as lojas abarrotadas de ilusórias promoções de 12x sem juros na navalha do seu cartão de crédito; Natal é tempo de dar presentes a quem, durante todo o ano, você nem mesmo disse um EU TE AMO de forma sincera; Natal é tempo de quebrar seu porquinho e contar as míseras moedas juntadas religiosamente no ano todo; Natal é tempo de engordar quilos de panetonne e perder litros de lágrimas com programas de TV que fingem ajudar alguém; Natal é tempo de gastar o 13º com 133 coisas que você sonhou ter, mas de fato vai poder escolher apenas umas poucas; Natal é tempo de ouvir as velhas músicas natalinas que nunca mudam, principalmente aquele batido cd da cantora Simone de 1995; Natal é tempo de enfeitar toda a cidade com luzes vivas e coloridas, enquanto os esquecidos percorrem as ruas mendigando um pouquinho assim de esperança. Enfim, cada um vive o Natal como quer, cada qual tem seu sonho criado e o usa conforme lhe convém. Eu mesmo me confundo, inocentemente, em saber a verdade por trás do dia 25 de dezembro de Jesus Cristo. Amém. 

sexta-feira

Rap do Criolo Doido


Inventivo e multifacetado, Nó na Orelha consagra um rapper ao mundo pop

Ofuscado até o inicio da década de 2000, Kleber Cavalcante Gomes, mais conhecido como Criolo, saiu da toca do rap e se revestiu de um teor pop com o seu segundo disco, no na orelha, lançado em março de 2011. Nó na Orelha, disponibilizado apenas em vinil e gratuitamente através da internet, não é apenas um álbum de rap, mas absorve também a musicalidade da MPB, Funk, Soul e Blues. Trata-se, pois, de um disco para destravar os mais resistentes ao movimento Hip Hop e à música Rap, construindo um espectro de ritmos e estilos que se metarmofoseiam em uma obra de sonoridade ímpar.

Nó na Orelha vem com 10 faixas, com destaque para a que abre o disco, “Bogotá”, que se toma por uma parafernália envolvente, num misto de batuques com trompete e sax, desconstruindo logo de inicio a carga de rapper que Criolo carrega. “Freguês da Meia Noite” é um singelo “brega”, numa cadência de sutileza e suavidade, pontuado com humor e descontração. O rap vem representado na essência nas faixas “Sucrilhos”, “Grajauex” e “Lion Man”, construídos harmonicamente com a introdução de diversos elementos musicais que fogem ao lugar comum do rap e se juntam a voz afinada de Criolo, formando o que poderia se chamar, na melhor das intenções, de um “pop rap”. “Linha de frente”, que encerra a obra, é um sambinha leve na musicalidade, gostoso de degustar com os ouvidos, mas com mensagem firme e ácida para a sociedade. Além do brega, rap, soul e samba, ainda há espaço para o reggae, na faixa “Samba Sambei”.  “Não existe Amor em SP”, uma batida intimista, é de uma delicadeza na letra e no arranjo, considerada como um dos “singles” do álbum, canção que foi interpretada com o veterano Caetano Veloso no VMB 2011, da rede MTV. Além de ter o baiano ao seu lado na interpretação, Criolo venceu três prêmios no VMB 2011: o de Álbum do Ano, Música do Ano (“Não Existe Amor em SP”) e Artista Revelação.

A capacidade de Criolo de navegar entre os tênues limites da diversidade musical só reforça a genialidade do rapper paulistano em desconstruir grades e regras. Nó na Orelha é, sinceramente, dedicado àqueles que buscam na musica brasileira um som provocador, criativo e ironicamente inteligente. 

Para ouvir o álbum, clique aqui: http://www.radio.uol.com.br/#/busca/album/no na orelha 

quarta-feira

Suor doce e ócio corrosivo

Dizem que escrever é libertação, é buscar asas hipotéticas nas palavras. Para mim, escrever quase sempre é prisão, quase sempre é uma obrigação com meu intelecto emocional. Se fosse possível permaneceria sem um traço qualquer de linhas, seguiria seco de devaneios sem sentido. Se fosse cínico com a vida, com certeza não precisaria desenterrar nenhuma frase de abstração. Mas ele está ali, rígido e intolerante, esperando que algo divino desça na minha inspiração. Nada disso! inspiração nunca! o que você vê aqui é puro desmembramento árduo de se construir sentido real de onde tudo é pó cinza, de onde tudo é líquido insípido. O que faço aqui é suor doce e ócio corrosivo, é trabalho escravo com direito a férias diárias. Nada mais que minha forjada profissão. (...) Ele vai estar sempre me observando, me comendo aos poucos, me empurrando do porão da vagabundagem para a sala de estar da escrita. Ele, ele mesmo, é o responsável por essa catástrofe literária. Ele, o sonho. 

segunda-feira

A Hora do Pesadelo (1984)



Não importa o gênero, mas os clássicos têm um motivo para tal. E isso não é diferente com A Hora do Pesadelo, de 1984. Revendo a obra mais de 20 anos depois de sua produção, o filme carrega a mistura dos clichês juvenis de terror com o experimentalismo do roteiro inusitado para época. Consagrou também um dos personagens mais emblemáticos e assustadores (para alguns) da historia do cinema, Freddy Krueger, que ainda hoje é alimentado por remakes fajutos. E para a surpresa minha e talvez de muitos, foi o filme em que o excêntrico ator Johnny Depp estrelou na tela grande, artista que continua hoje povoando produções sinistras no cinema. A Hora do Pesadelo é dirigida por Wes Craven, diretor consagrado do gênero e que também produziu o imbatível “Pânico” e suas três sequencias "mais do mesmo". No filme  algumas fórmulas batidas do terror/suspense: um grupo de adolescentes assustados, um segredo por trás do assassino, sustos quando você menos imagina e uma trilha sonora que provoca frisson. Sem afetar tanto, a trilha é verdadeiramente fantástica para agitar a poltrona, cumpre o papel de realçar medos e palpitações.
Quem diria: Johnny Depp estreia
 no cinema em A Hora do Pesadelo
O enredo é simples: quatro jovens que, quando caem no sono, são atacados por Freddy Krueger (Robert Englund) dentro dos pesadelos, mas na verdade quando percebem o aconteceu tudo parece ser real. Daí por diante, se desenrolam uma série de fantasias escabrosas e perseguições sanguinolentas que se interpenetram na dimensão do concreto e no submundo do pesadelo. Existe por trás da história uma motivação que impulsiona Freddy a esse martírio, porém nesse ponto a trama se mostra superficial na abordagem analítica do vilão, assunto mais tarde tratado em outras continuações do filme. Inegavelmente, A Hora do Pesadelo carimbou sua marca em 1984 e permanece nos anos 2000 como um ícone do trash/terror/suspense que tem lugar garantido para os fãs do gênero. É raro hoje quem não conheça esse camarada com dedos de tesoura, blusa listrada e cara queimada que vive à espera de uma cochiladinha para...tzzzzzz... cortar você em pedaços. E Cuidado quando ouvir a música: “Um, dois, Freddy vem te pegar / Três, quatro, é melhor a porta do quarto trancar! / Cinco, seis, agarre o seu crucifixo! / Sete, oito, é melhor ficar acordado até tarde! / Nove, dez, não durma nunca mais".
Por trás da máscara: Robert Englund interpretou
 o vilão dos pesadelos

domingo

Ausência de chaves, bloqueio de verdades

Me esquecendo um pouco, deixando de lado o problema Eu. É difícil por vezes ignorar o seu próprio, mas é preciso para o destravar. Parece uma energia que bloqueia qualquer reação de vida, e isso é algo que vem de dentro. A culpa é toda do interior, pois é nele que o obscuro ganha forma e atinge o fora. Nessas horas, o esquecimento é chave para o tormento, e mesmo que dure segundos, tenho uma breve sensação de liberdade quando fujo de mim. Uma fuga desenfreada, perdida, atrás de do mínimo de respiração que eu possa encontrar. O mesmo Eu que libera é o mesmo Eu que encaixa. Mas é tudo ilusão rápida, que depois traz a verdade consigo. A verdade toda inibida em mim. A possibilidade bloqueada em mim. A ausência de chaves dentro de mim. É uma alucinação mesmo ser auto-inimigo, pois é uma traição própria, legítima. Vou dispensando enquanto posso esses bloqueadores, me esquecendo vez por outra para ao menos me sentir por alguns instantes, momentos sagrados de iluminação.

sexta-feira

O Que Terá Acontecido a Baby Jane? (1962)


Sempre tinha ouvido sobre O Que terá acontecido a Baby Jane?, mas não sabia do poder dele. Me surpreendi e soube a sua importância para a sétima arte. Suspense, drama, mistério, uma mistura de gêneros que o tornam envolvente. O ano da produção é 1962, e aí que percebo que hoje é raro encontrar interpretações tão sublimes como as de Bette Davis e Joan Crawford, as duas protagonistas do filme. Bette Davis dispensa apresentações, já tinha conhecido sua força quando vi A Malvada (1950), e já estava com expectativas boas quanto à sua atuação em O Que terá acontecido a Baby Jane?. Dito e feito. Para ser sincero, Bette superou na trama e me tornei fã de carteirinha a partir daí. Joan Crawford não deixou por menos, e atuou magnífica junto com Bette. Na trama, as atrizes fazem o papel de duas irmãs que vivem juntas, mas que se odeiam. Uma delas é paralítica, Blanche (Joan Crawford), que vive sob os cuidados de Jane (Bette Davis), a irmã desequilibrada emocionalmente, alcoólatra e violenta. O filme foca na tensão surgida do relacionamento das duas, ou seja, o suspense vem regido por um conflito familiar que ultrapassa o bom senso e cria situações escabrosas e assustadoras no dia a dia das irmãs. É só imaginar como uma mulher alcoólatra e louca é obrigada a cuidar de sua irmã presa numa cadeira de rodas, e isso permeado não por amor, mas por uma relação de inveja e de um ódio feroz que é transmitido a quem o assiste. E foi isso mesmo. Durante a trama, senti raiva e medo da personagem Jane, uma figura que desperta emoções odiosas no filme, e torna a vida de Blanche um inferno de fato. O final surpreende tanto quanto o desenrolar da história, e prova mais uma vez que “não se fazem mais filmes como antigamente”. Um filme que precisa ser visto por todos, um clássico triunfante tanto na interpretação, quando no roteiro. Uma trama que dispensa o excessivo sangue dos suspenses atuais, e mostra que de um relacionamento entre duas irmãs pode sair uma montanha russa de tensões que paralisam o espectador.

quinta-feira

Dissecando intimidades

Sempre que necessário é bom se dissecar um pouco, ver cada nervo de verdade e cada músculo de interrogação que descansa sobre a nossa anatomia psicoalucinada. É quase toda de alucinação que formamos nosso auto- retrato. Por isso, esse mergulho dentro dessas viagens internas é fundamental para avaliar a tolice da qual adoramos praticar. Temos medo do cubo do reconhecimento pessoal, pois ele dói tanto que nos grudamos ao comodismo do sorriso fácil e descartável. Estou caindo de fato na realidade de que muita coisa em mim merece ser enlatada urgentemente, há lixo alegre e falso que deseja um bom depósito de vergonha e reciclagem. Os tempos de reciclagem podem demorar a surgir, mas quando se soltam vem com toda a velocidade de uma opinião sincera que quase sempre nos falta. Vou aproveitar esses segundos raros de onipotência emocional para liberar essas minhas sinceridades nuas!

quarta-feira

Frederico Lazarus em coma literário

(...) Ele é somente espelhos. Nada mais além dele próprio tinha reflexo naquele mundo. Quando se encarava sabia que ali estava um lindo rosto manchado de pura vaidade. Talvez não fosse sua culpa tamanha idolatria. Um pouco daquilo que ele guardava vinha dos outros, que cultivavam ainda mais a semente da beleza imposta. Isso mesmo, ele era um impostor. Não era egoísta, nem tampouco egocêntrico. Era verdadeiramente um admirador em potencial de seu auto-modelo. Para alguns soa cruel não pensar em egoísmo nessas circunstancias de beleza, mas ele sabia o quanto aquilo doía dentro dele. “Beleza dói, e muito. Quisera eu eliminar boa parte dessa dor e viver livre. Liberdade quase sempre se esbarra na vaidade”, afirmava resignado. Frederico Lazarus pagava o preço de ser assim, e ele não era hipócrita a ponto de admitir que não queria que fosse desse modo. Culpado ou inocente, ele simplesmente se adorava, e isso era seu prazer e seu martírio. (...)

Nessas linhas simplórias se encontra um personagem que precisa tomar corpo, ainda paira sobre ele um mistério aterrorizante para mim. Frederico Lazarus talvez seja mais uma dessas criações ociosas que perduram como um calo crônico. Mas solucionarei o mais breve possível esse vácuo, caso contrário a vida desse embaçado personagem cairá na lixeira de meu computador como outras ideias abortadas da minha cabeça, ou ficará latejando dentro de um arquivo Word como assunto congelado e minúsculo. 

terça-feira

Agradecimentos Sinceros ao Papel Nulo


Escrever é algo louco. Parece uma tormenta de pensamentos conduzidos por um furacão de impulsos e desejos. Às vezes penso: escrever para quê? Ou melhor: por que? Ou profundamente: para quem? Não sei o que me conduz a colocar palavras soltas, muitas sem lógica ou razão,em um papel que se encontrava nulo. Hum..., (...) talvez esteja aí um motivo! O papel!!! O papel nulo!!! Talvez não quisesse que permanecesse mais vazio, solitário, sem função alguma. O papel estava lá, esperando alguém desvirtuá-lo e tirar-lhe a pureza, a brancura, a paz, e o transformar num aglomerado de fragmentos estranhos a ele. Talvez esteja aí um real motivo de escrever: um simples papel. Muitos devem pensar que isso é algo absurdo e digno de desprezo. Outros acharão que estou em delírio insano ou que não estou saudável para com as minhas faculdades mentais. Pois digo a você, leitor: não, não se trata de banalidade ou alucinação. Se trata do simples fato de que não escreveríamos se não tivéssemos algo pronto para nos receber, algo virgem e intocável para podermos desconfigurá-lo. O papel em branco nos oferece tudo que precisamos: a ausência. É dessa ausência que se faz a presença, que se constrói a vida em palavras, que se desestrutura os sentimentos e se molda fragmentos. Agradeço sinceramente ao papel em branco, nulo ou vazio a chance de poder esboçar uns traços dos meus devaneios e perturbações.

segunda-feira

Multiplicidade


Eu sou muitos
dentro de um único.
Um único que,
por ter tantos,
não é ninguém.
Um ninguém que,
às vezes, é tudo.
Um tudo que,
quase sempre,
é o nada.

domingo

Bufo & Spallanzani (2001)


Antes de tudo, o que chama a atenção é o nome do filme. É curioso um filme brasileiro intitulado Bufo & Spallanzani. E com a sinopse lida, a curiosidade aumenta, pois se trata de um mistério, uma trama investigativa daquelas não típicas do cinema nacional. E realmente foi. Bufo & Spallanzani  mostra que o Brasil pode e consegue fazer boas obras fora dos temas sociais e dos apelos corporais, uma demonstração que nosso cinema é sólido e versátil. E logo no início a expectativa cresce, e não decepciona aqueles que buscam uma dose de suspense com tons nacionais. Na história há mortes misteriosas, detetives analíticos, romance, traição, e sapos à vontade (o nome Bufo remete a uma espécie de sapos, por isso o título). Um dos ganchos interessantes do filme é resolver uma suposta morte, que na verdade se trata de um estado temporário de coma profundo causado pela mistura do veneno do sapo Bufo com uma planta, que deixa o individuo como se estivesse morto, mas de fato não está. Outro ponto é desvendar a morte de uma mulher rica, supostamente tida como suicídio, mas cercada de aspectos ocultos que envolvem vingança e amor. O elenco conta com José Mayer, que foge da sua comum caracterização como galã conquistador e interpreta um investigador perspicaz; Tony Ramos, que também fez um bom papel como um policial obstinado; Gracindo Junior, como o marido traído e mau caráter; e a participação especial de Maitê Proença, como a mulher misteriosamente morta ou suposta suicida. O desenrolar da trama é instigante, e não há a excessiva ação de filmes policiais, e sim maciços diálogos que prendem a atenção do espectador. Porém, esperava um final mais grandioso, um pouco menos simplista no desfecho. Mas tem uma reflexão coerente em torno de sua conclusão, que nos faz pensar no caráter relativo do certo ou errado, ou seja, da natureza ambígua do ser humano. Não é um filme top 10, mas tem seu espaço na nova safra de ousadas produções brasileiras que apostam em temáticas inovadoras para a sétima arte no país. 

sábado

Bent (1997)



Mesclando duas fortes temáticas, a homossexualidade e a Alemanha Nazista, esse filme traz uma beleza por trás da tristeza. Já é de se imaginar o que se passava dentro dos campos de concentração à época da ditadura hitleriana, agora acrescente a esse contexto um romance entre dois homens em um ambiente hostil. O resultado é de uma mistura explosiva nesse drama de 1997, intitulado Bent. A produção, do diretor Sean Mathias (mais conhecido como diretor de teatro), é inspirada na peça com o mesmo nome. O filme foca no relacionamento entre dois presos que se apaixonam, sendo que um deles, Max, interpretado brilhantemente por Clive Owen (A Identidade Bourne, Closer – Perto Demais, Sin City), quando entra na prisão não assume a sua verdadeira identidade como gay, e usa uma estrela amarela (que representa os judeus) ao invés de um triângulo rosa (que representa os homossexuais). Max conhece então Horst (Lothaire Blutheau), que usa com orgulho o triângulo rosa, e a partir de então os dois enfrentarão conflitos pessoais e limitações ferozes para alimentar essa paixão. É incrível como os dois conseguem estabelecer uma relação intima dentro de toda essa hostilidade e, apesar das diferenças de cada um, nasce um vínculo que torna o filme belo. E sendo proibido o contato físico entre eles, Max e Horst conseguem, numa das cenas mais sensíveis do filme, manter uma relação sexual só através das palavras, e os dois sentem um ao outro como se de fato estivessem juntos fisicamente. Bent traz um ar triste e pesado, mas deixa um fio de esperança para quem o assiste, e mostra que o amor sobrevive ao mais improvável lugar que se possa imaginar, aqui ilustrado pelo campo de concentração da cidade de Dachau, na Alemanha. Há muito drama contido no filme, mas toda essa dramaticidade não é gratuita, e sim traçada de forma coerente com o contexto histórico e com a carga emocional característica dos protagonistas. O desfecho pode trazer indignação a muitos espectadores, mas de alguma forma representa uma realidade que ainda hoje tem seus reflexos na intolerância humana. 

sexta-feira

Gaiolas, aquários e lambidas




Há tempos que desejo um animal de estimação. E nesses dias esse pensamento tem me contagiado ainda mais. Na verdade já tive um, quando eu tinha meus libertários treze anos. Era um cachorro, meio vira-lata, meio poddle, meio qualquer coisa engraçada. Isso foi nos anos em que eu morava em casa, com um quintal de aventuras e pulos de felicidade, onde eu corria com Ricky, meu ex-pet-amigo.  Mas hoje, nos meus vinte e sete anos de cansaço e preso num apartamento com os metros quadrados contados para dois seres humanos na contramão do tempo, eu e minha irmã, não há mais espaço para tanta liberdade.

Na minha atualidade, as espécies mais adequadas para a convivência seriam de dois grupos: os que vivem em aquários, e os que vivem em gaiolas. Entretanto, detesto qualquer coisa que sufoque ou indique privação, e gaiolas e aquários são meios de censura para qualquer espécie animal.  Mas já tive peixes, e a experiência não foi nada agradável, na verdade foi trágica. Em pouco menos de seis meses, cheguei a enterrar dezenas de peixinhos de todas as cores, no ritual em que eu e meus irmãos fazíamos buracos no quintal e sepultávamos os pequeninos cadáveres. Para nós era desolador ver o nosso aquário a cada dia se esvaziar. Desisti desses animais aquáticos.
Quanto aos pássaros, tenho completa aversão em vê-los atrás das grades, gritando por um bater de asas que é inerente ao espírito aventureiro desses seres. Eu nunca tive pássaros em gaiolas, mas meu irmão tinha prazer em colecionar os bichos engaiolados. Lembro que, vez por outra, eu discretamente abria as portas e libertava os animaizinhos, num ato de alforria que me era tão iluminado. Eu entendia perfeitamente o que significava um quebrar de correntes para uma espécie em que o céu é o limite.
            Além dos pássaros, outro animal freqüente em gaiolas são aqueles mamíferos que lembram ratos, só que mais sofisticados e carismáticos: os hamsters. Para ser sincero, não são tipos que me agradam, pois não vejo possibilidade alguma de travar vínculos de amizade com eles.
Já pensei também em gatos, que não vivem nem em aquários e nem em gaiolas. São independentes, discretos e charmosos. Mas não tenho boas relações com os felinos, eles são indiferentes quando o assunto é brincar, pelo menos comigo.
Decididamente não há mais o que especular a respeito. O que eu quero mesmo é um cachorro, apesar de tudo indicar para o não. “Você não pode ter um cachorro. Você não deve ter um cachorro. Você não tem como ter um cachorro”, é o que todos me dizem. E a principal repressora desse meu agudo desejo é minha mãe, uma anti-pet assumida. Embora não more com ela, minha mãe exerce sobre mim uma influência terrível (no bom sentido da palavra) e argumenta com veemência sempre que questiono o porque dessa negação: “ você não cuida bem nem de você, como irá cuidar de um animal. Um cachorro é como um bebê”.
Não sei se um cachorro faria minha vida ser diferente, se me daria outras formas de ser feliz. Talvez até quebrasse a minha rotina em pedaços, elevando meu nível de stress aos picos, me levaria a limpar excrementos por toda a casa e a dar banhos malabaristas nada agradáveis.  Gastaria toneladas de rações e doses de paciência com o tal bicho. Mas isso tudo é irrelevante. Não conta quase nada para aqueles que decidem adotar um pet dog. O que vale mesmo é ter alguém te esperando, ansioso e carinhoso, para te dar aquela lambida de saudade sem te guilhotinar com reclamações depois de um dia extasiante, ouvir tuas confissões sem dar conselhos padronizados e não cobrar nenhum favor pela tua companhia diária. Para mim, nesse mundo de cobras e lagartos, o velho e batido ditado de que o melhor amigo do homem é o cão ainda continua infalível.