Depois daquele telefonema inesperado, Ele não reagiu. Mesmo durante a conversa a sua antireação foi simplesmente ouvir. Atento a cada sílaba, não estava preparado para argumentar. O que mais ele conseguia fazer era juntar passado e presente, imaginando dessa mescla algum futuro. Naqueles segundos, o mais perfeito estado que o definia era letargia. Passou o dia em regressão, caçando entre suas inúmeras falhas e acertos algo que fosse memorável. Quanto tempo iria durar aquela abstinência de respostas? Ele caíra numa certeza terrível: sempre vivia na flutuação.
Acordou na manhã seguinte com a sensação de solidão. Pelo menos já era um passo a infame letargia anterior que o paralisou. Pensou imediatamente em pegar o telefone, discar o número do seu desespero e fazer com que aquela sensação aniquiladora de ausência sumisse. Mas desistiu. O que iria falar? Daria um prolongamento ou uma resolução para a sua angústia? Perguntas, era só isso que seu coração podia lhe oferecer no meio da manhã de uma terça cinza.
No fim da tarde uma lágrima veio, estimulada por uma dessas canções sob medida para tempos difíceis. Na voz feminina de Alanis com Not as We se expressava toda a carga que ele acumulava. Propositalmente ele queria chorar, queria que "a ficha caísse". É nessas horas que percebeu o mundo Nós guardado em sua cabeça. As lembranças lhe cutucavam feito uma danação. Tudo girava em anti-horário. "De uma coisa não se pode escapar: os senhores são as lembranças", refletia.
Ele queria alimentar aquilo. E por isso achou uma forma eficaz e simples: a cada música, certas lágrimas corriam, o peito sufocado querendo extravasar, e o choro é uma maneira limpa de depurar sentimentos. Escolhia as canções mais dolorosas, aquelas com espinhos em cada letra. Estava entrando em um círculo vicioso: quanto mais canções de dor, mais lembranças de punhal, mais lágrimas loucas, mais dúvidas involuntárias, mais saudades lacerantes, mais canções, mais lágrimas, mais...
E nisso a madrugada nasceu. Resolvera então escrever sobre seus conflitos, mesmo sabendo que isso só nutriria sua fixação nas lembranças. Mas o que ele queria era meter o dedo na ferida, tirar pus, fazer sangrar, inchar e piorar. Talvez assim achasse uma solução purificadora para o caos da incomformação.
Dedicado, ele passou as silenciosas horas da madrugada a desvendar o mistério escondido por trás de sua covardia em não lutar contra aquele terrível telefonema inesperado do começo dessa frágil história.
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