Dispenso definições. Escolho pela metamorfose de escrever livre, longe de qualquer vulto de encaixe. Se me perguntarem sobre o que é isso, hesito em responder. Apenas sinto...

segunda-feira

A Via Láctea do Meu Apartamento


Caramba, não sabia que um apartamento poderia ser tão terrível quando apenas a solidão é sua hóspede. Os minúsculos metros quadrados se proliferam em um claustro de paralisação. E a perdição colabora para o confinamento. Você simplesmente não sente vontade alguma de passar a chave na porta e encarar as ruas barulhentas e os corações calados das pessoas, pois você também está calado naquele momento. Calado e preso. 

Anda de um lado para outro procurando alguma tolice para gastar seu tempo, mas só encontra cerâmicas frias que não aprenderam a falar ainda. Mesmo sem fome, entra na cozinha, abre a geladeira. Nada especial, o de sempre. Mas tanto faz, o que importa é mastigar, seja uma maça ou um chocolate da semana passada embrulhado num papel colorido. Enche o copo de água só para sentir algo leve em sua garganta, ou quem sabe umidificar a solidão que já subiu coração acima. As gotas resfriadas se exibem no vidro do copo, lembrando uma das lágrimas que caíram a pouco tempo no travesseiro estampado.

Passa pela sala sem reação alguma, pois lá as coisas acontecem de uma maneira prática. Revistas, televisão, correspondências, cadeiras e mesa, tudo se eximiu diante da minha implosão emotiva. Me expulsaram de lá, essas coisas insensíveis que habitam a sala. E, no meu quarto, é onde a maiorias das minhas loucuras acontece. Desespero, lembranças afiadas e angústia povoaram as quatro paredes brancas. Deitado na cama, o meu pensamento ia se desfiando como um pedaço de carne para ser devorado. Mas, ao contrário de uma carne suculenta, o que se via ali era um mingau ralo, sem gosto, vomitado pela fraqueza de ingerir emoções. O choro vinha agudo, apertado pela enxurrada de lembranças. E o ciclo não queria se romper. O quarto cada vez mais se espremia e se agigantava, conforme eu conduzia meu show particular de masoquismo emotivo.

De repente, houve um intervalo dentro de mim que pedia para aquilo encerrar. Obedeci ao estranho chamado, o qual nem sei de onde realmente veio. E, por um impulso sem cálculo, me dirigi ao banheiro, um lugar neutro e acolhedor. Talvez pela sua brancura de paz, ou pelo seu caráter despretencioso. Foi lá, na pia, com a torneira ligada, que joguei água em meu rosto, numa tentativa de acordar da tortura vivida no quarto.

Acordei, mas não completamente. Levantando o rosto diante do espelho, percebi que faltava alguma coisa ali. Lembrei dele, e isso me estremeceu. Eu percebi que me faltava, ali, sempre e desde, uma dose de coragem. Coragem para fazer do amor algo decente para a vida. 

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