Ambientado nos anos 70, na explosão dos
conflitos entre irlandeses e ingleses, Café da Manhã em Plutão retrata, desde
criança, as desventuras e artimanhas de um travesti na procura pela sua mãe. O
que poderia ser um enredo digno de uma tragédia açucarada se transforma em um
delicioso drama pontilhado com humor e irreverência, num equilíbrio sensato
entre choros e risos. Com direção de Neil Jordan, aclamado pelos filmes
Entrevista Com o Vampiro (1994) e Traídos pelo Desejo (1992), o filme explora a
homossexualidade na figura de Patricia (ou Patrick) Kitten Braden, trazendo a
figura clichê do travesti alegre e desbocado, mas sem cair no piegas do dramalhão
esteotipado. Pois, apesar do personagem caricato, a trama cai numa harmonia espontânea
e divertidíssima de se construir uma densa historia de vida com senso de humor.
Palmas magistrais para ator Cillian Murphy, que dá corpo e alma a Patricia. Para
aqueles que viram Cillian em Batman Begins (2005) e Vôo Noturno (2005),
aqui ele se metamorfoseia de uma maneira digna de respeito, e muitas vezes se
tornando irreconhecível sua associação com personagens psicopatas, tamanha é
sua capacidade de se totalizar com o universo gay. Fugindo das crises existenciais,
Patricia não é o cara que se olha no espelho e se vê perdido diante da situação
de ser o que é. Ele, ao contrario, se aceita perfeitamente e age de acordo com
seus instintos. Apesar da delicadeza e feminilidade que Cillian Murphy traz ao
personagem, não vemos em Patricia uma fragilidade inibida, mas sim uma instrução
de que a aceitação começa por dentro. A criança adotada, mesmo no ambiente
familiar hostil, se expressa sem receio suas preferências, e quando adulto sai
de casa, na Irlanda, a procura da mãe, na Inglaterra, e mesmo com os desvios no
seu caminho, Patrick nunca deixa Patricia sucumbir, e fica firme de salto alto
e peito aberto a qualquer provocação. Café da Manhã em Plutão poderia ser um simples filme sobre um travesti qualquer
com objetivo piegas de reencontrar a mãe que o abandonou na porta de um padre de coração
bom. Mas não. É divertido e profundo na medida certa, remexe no ponto ácido da rejeição
da sociedade pelo diferente, sem esquecer de que o mundo das Patricias é uma
comédia feita de coragem e determinação.
Nenhum comentário:
Postar um comentário