Dispenso definições. Escolho pela metamorfose de escrever livre, longe de qualquer vulto de encaixe. Se me perguntarem sobre o que é isso, hesito em responder. Apenas sinto...

sexta-feira

Gaiolas, aquários e lambidas




Há tempos que desejo um animal de estimação. E nesses dias esse pensamento tem me contagiado ainda mais. Na verdade já tive um, quando eu tinha meus libertários treze anos. Era um cachorro, meio vira-lata, meio poddle, meio qualquer coisa engraçada. Isso foi nos anos em que eu morava em casa, com um quintal de aventuras e pulos de felicidade, onde eu corria com Ricky, meu ex-pet-amigo.  Mas hoje, nos meus vinte e sete anos de cansaço e preso num apartamento com os metros quadrados contados para dois seres humanos na contramão do tempo, eu e minha irmã, não há mais espaço para tanta liberdade.

Na minha atualidade, as espécies mais adequadas para a convivência seriam de dois grupos: os que vivem em aquários, e os que vivem em gaiolas. Entretanto, detesto qualquer coisa que sufoque ou indique privação, e gaiolas e aquários são meios de censura para qualquer espécie animal.  Mas já tive peixes, e a experiência não foi nada agradável, na verdade foi trágica. Em pouco menos de seis meses, cheguei a enterrar dezenas de peixinhos de todas as cores, no ritual em que eu e meus irmãos fazíamos buracos no quintal e sepultávamos os pequeninos cadáveres. Para nós era desolador ver o nosso aquário a cada dia se esvaziar. Desisti desses animais aquáticos.
Quanto aos pássaros, tenho completa aversão em vê-los atrás das grades, gritando por um bater de asas que é inerente ao espírito aventureiro desses seres. Eu nunca tive pássaros em gaiolas, mas meu irmão tinha prazer em colecionar os bichos engaiolados. Lembro que, vez por outra, eu discretamente abria as portas e libertava os animaizinhos, num ato de alforria que me era tão iluminado. Eu entendia perfeitamente o que significava um quebrar de correntes para uma espécie em que o céu é o limite.
            Além dos pássaros, outro animal freqüente em gaiolas são aqueles mamíferos que lembram ratos, só que mais sofisticados e carismáticos: os hamsters. Para ser sincero, não são tipos que me agradam, pois não vejo possibilidade alguma de travar vínculos de amizade com eles.
Já pensei também em gatos, que não vivem nem em aquários e nem em gaiolas. São independentes, discretos e charmosos. Mas não tenho boas relações com os felinos, eles são indiferentes quando o assunto é brincar, pelo menos comigo.
Decididamente não há mais o que especular a respeito. O que eu quero mesmo é um cachorro, apesar de tudo indicar para o não. “Você não pode ter um cachorro. Você não deve ter um cachorro. Você não tem como ter um cachorro”, é o que todos me dizem. E a principal repressora desse meu agudo desejo é minha mãe, uma anti-pet assumida. Embora não more com ela, minha mãe exerce sobre mim uma influência terrível (no bom sentido da palavra) e argumenta com veemência sempre que questiono o porque dessa negação: “ você não cuida bem nem de você, como irá cuidar de um animal. Um cachorro é como um bebê”.
Não sei se um cachorro faria minha vida ser diferente, se me daria outras formas de ser feliz. Talvez até quebrasse a minha rotina em pedaços, elevando meu nível de stress aos picos, me levaria a limpar excrementos por toda a casa e a dar banhos malabaristas nada agradáveis.  Gastaria toneladas de rações e doses de paciência com o tal bicho. Mas isso tudo é irrelevante. Não conta quase nada para aqueles que decidem adotar um pet dog. O que vale mesmo é ter alguém te esperando, ansioso e carinhoso, para te dar aquela lambida de saudade sem te guilhotinar com reclamações depois de um dia extasiante, ouvir tuas confissões sem dar conselhos padronizados e não cobrar nenhum favor pela tua companhia diária. Para mim, nesse mundo de cobras e lagartos, o velho e batido ditado de que o melhor amigo do homem é o cão ainda continua infalível.

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