Dispenso definições. Escolho pela metamorfose de escrever livre, longe de qualquer vulto de encaixe. Se me perguntarem sobre o que é isso, hesito em responder. Apenas sinto...

terça-feira

No Consultório da Alma


Sintomas: Inspiração zero. Ideias bloqueadas. Imaginação infértil. Fé abalada. Esperança machucada. Sonhos retraídos. Consciência incerta. Desejos abafados. Escrita vazia. Inteligência cansada. Sorrisos fracos. Solidão involuntária. Livros inacabados. Lembranças paralisantes. Filmes carregados. Olhos úmidos. Sonos inconcluídos. Músicas doloridas. Criatividade anulada. Saudades cortantes. Amor em pulsação.

Diagnóstico:  Estado de vida em espera. 

segunda-feira

Afetos Indissolúveis

. ..Onde você se esconde quando procuro por mim? Onde minha alucinação repousa quando te empresto o meu sangue cardíaco? Não corras na direção avessa a nós, pois em qualquer rastro que você escolher seguir estarei fincado a seu corpo como um parasita que sobrevive dos teus abraços. Te guardo aqui no canto secreto da esperança, te guardo de toda dúvida e ausência que ameace sua moradia em mim. Espanto os monstros da solidão e do medo com a tua lembrança estampada no meu peito, destruo qualquer ameaça de padecimento com a minha vontade de eternidade de ti, e continuo costurando sua anatomia nas minhas entranhas. Não há como fugir: somos inquilinos um do outro, um mutualismo sentimental obrigatório, um caso afetivo indissolúvel. Seremos eternos em nós...

domingo

A Outra Insônia Nossa


Não adianta. Já passa das duas da manhã e nenhum vestígio de sono, nem mesmo um bocejo de consolo. Estou como que ligado a uma energia soberba de tuas memórias, numa insônia digna de um escritor de romances decadentes. Sinceramente, desejaria agora um sono pesado para escapar da loucura de me renegar como ilegítimo. Uma cama bem profunda para afundar tudo dentro dela, sem transtornos emocionais. Agüentaria tranqüilo uma dose de vinte quatro horas apagado. Imagine se ausentar da trégua de viver por um dia...seria um agrado para quem tem míseras seis horas de sono mal-concluído.

Mas toda insônia tem um fundo de verdade, e a minha tem sido a sua. Onde estará você agora? Sua carne e osso com certeza estão lhe pertencendo agora, mas eu guardo teus desejos comigo, dos mais simples aos mais terríveis. Levo teus sonhos para criar os meus, e vou elaborando meu plano de te pertencer de novo.  Alguma vantagem tinha de sair dessa madrugada de chuvas e ausências. E saiu: isso de ficar te resgatando na saudade é uma vantagem e tanto, mesmo que os efeitos colaterais incluam olhos úmidos. Esperava qualquer resposta que me aquietasse, sentir um punhado de paz no coração.  Telefone mudo, peito em estalo, unhas ruídas, palavras inchadas, esperança em estado de alerta, amor protegido: essas foram as conclusões das horas que passei querendo te encontrar no meio de tantos escombros. Mas não se preocupe. Eu não desistirei nunca da nossa salvação.

sábado

Uma Visita em Gotas

Agora entendo a sua aversão aos dias de chuva. Eles são realmente catastróficos para o coração. Senti isso hoje, quando a tarde foi dominada pela água. Com a cabeça encostada no vidro da janela, as lembranças viam de gota em gota, me desafiando a ser forte. Não quis ter força alguma naquela hora. Queria era desabar junto com a chuva, despressurizando minhas neuroses e incongruências. E são tantas dessas. Mas a que mais me atingia era a nossa neurose e a nossa incongruência, que por sinal é a mais eterna de todas.

Você nunca errou quando dizia que a chuva tinha um poder melancólico. Digo mais: ela participa junto conosco da gloriosa arte de se compreender, mesmo sabendo da impossibilidade de uma conclusão eficaz. De fato não interessa os concluídos, e sim os perdidos. E a chuva continuava, e você se revelava naquela tarde como uma presença invisível de olhos, mas latente de coração. Eu senti seu cheiro, sua pele úmida e sua sinceridade através do vidro embaçado, e eu agradeci aos deuses da ilusão por ter você mesmo sem te ter.

A chuva não foi tão má assim como você afirma. É certo que ela me acertou na tristeza, isso eu não posso negar. Mas se não existissem as gotas dessa sexta meu encontro contigo não teria sido tão nosso. Eu fiquei cara a cara com o teu espelho e pude ver que o amor é um grande sobrevivente. 

quarta-feira

O Que Tem Dentro da Saudade?

     Dentro de um livro, te encontrei em um bilhete escrito com letras simples e sinceras, tão carregadas de sentimento que não imagino como um papel tão leve agüentasse tanto amor grafado nele. Com mais um pouco de passos, dentro da gaveta da escrivaninha te encontrei em um simpático chaveiro que nunca usei, mas que sempre que abro a gaveta ele esta lá, sorrindo para mim como se você tivesse lhe emprestado um sorriso. 
     Dentro do armário do banheiro, quem diria..., te encontro em uma escova de dentes gasta, meio aposentada, mas que parece viva na minha  frente. Numa caneca estampada, que você diz que ser esquecida por mim, dentro dela eu também posso claramente te encontrar, mesmo assumindo o seu pouco uso na hora do café. E quando menos espero, num lugar nada sentimental e muito mercenário, te encontro: dentro da carteira, um retrato 3x4 materializa tua presença por alguns instantes sagrados. 
     E sem falar nos lençóis, chocolate, músicas, risos, esperanças, viagens, sushi, sonhos, segredos...ah, são tantas as tuas vidas dentro da minha. Tuas permanências vagam por aqui, soltas no espaço da indefinição, desvendando junto comigo o que tem dentro dessa dor metamorfoseada em saudade. 

segunda-feira

A Via Láctea do Meu Apartamento


Caramba, não sabia que um apartamento poderia ser tão terrível quando apenas a solidão é sua hóspede. Os minúsculos metros quadrados se proliferam em um claustro de paralisação. E a perdição colabora para o confinamento. Você simplesmente não sente vontade alguma de passar a chave na porta e encarar as ruas barulhentas e os corações calados das pessoas, pois você também está calado naquele momento. Calado e preso. 

Anda de um lado para outro procurando alguma tolice para gastar seu tempo, mas só encontra cerâmicas frias que não aprenderam a falar ainda. Mesmo sem fome, entra na cozinha, abre a geladeira. Nada especial, o de sempre. Mas tanto faz, o que importa é mastigar, seja uma maça ou um chocolate da semana passada embrulhado num papel colorido. Enche o copo de água só para sentir algo leve em sua garganta, ou quem sabe umidificar a solidão que já subiu coração acima. As gotas resfriadas se exibem no vidro do copo, lembrando uma das lágrimas que caíram a pouco tempo no travesseiro estampado.

Passa pela sala sem reação alguma, pois lá as coisas acontecem de uma maneira prática. Revistas, televisão, correspondências, cadeiras e mesa, tudo se eximiu diante da minha implosão emotiva. Me expulsaram de lá, essas coisas insensíveis que habitam a sala. E, no meu quarto, é onde a maiorias das minhas loucuras acontece. Desespero, lembranças afiadas e angústia povoaram as quatro paredes brancas. Deitado na cama, o meu pensamento ia se desfiando como um pedaço de carne para ser devorado. Mas, ao contrário de uma carne suculenta, o que se via ali era um mingau ralo, sem gosto, vomitado pela fraqueza de ingerir emoções. O choro vinha agudo, apertado pela enxurrada de lembranças. E o ciclo não queria se romper. O quarto cada vez mais se espremia e se agigantava, conforme eu conduzia meu show particular de masoquismo emotivo.

De repente, houve um intervalo dentro de mim que pedia para aquilo encerrar. Obedeci ao estranho chamado, o qual nem sei de onde realmente veio. E, por um impulso sem cálculo, me dirigi ao banheiro, um lugar neutro e acolhedor. Talvez pela sua brancura de paz, ou pelo seu caráter despretencioso. Foi lá, na pia, com a torneira ligada, que joguei água em meu rosto, numa tentativa de acordar da tortura vivida no quarto.

Acordei, mas não completamente. Levantando o rosto diante do espelho, percebi que faltava alguma coisa ali. Lembrei dele, e isso me estremeceu. Eu percebi que me faltava, ali, sempre e desde, uma dose de coragem. Coragem para fazer do amor algo decente para a vida. 

sábado

Nas Entranhas do Coração Selvagem

Depois daquele telefonema inesperado, Ele não reagiu. Mesmo durante a conversa a sua antireação foi simplesmente ouvir. Atento a cada sílaba, não estava preparado para argumentar. O que mais ele conseguia fazer era juntar passado e presente, imaginando dessa mescla algum futuro. Naqueles segundos, o mais perfeito estado que o definia era letargia. Passou o dia em regressão, caçando entre suas inúmeras falhas e acertos algo que fosse memorável. Quanto tempo iria durar aquela abstinência de respostas? Ele caíra numa certeza terrível: sempre vivia na flutuação. 

Acordou na manhã seguinte com a sensação de solidão. Pelo menos já era um passo a infame letargia anterior que o paralisou. Pensou imediatamente em pegar o telefone, discar o número do seu desespero e fazer com que aquela sensação aniquiladora de ausência sumisse. Mas desistiu. O que iria falar? Daria um prolongamento ou uma resolução para a sua angústia? Perguntas, era só isso que seu coração podia lhe oferecer no meio da manhã de uma terça cinza. 

No fim da tarde uma lágrima veio, estimulada por uma dessas canções sob medida para tempos difíceis. Na voz feminina de Alanis com Not as We se expressava toda a carga que ele acumulava. Propositalmente ele queria chorar, queria que "a ficha caísse". É nessas horas que percebeu o mundo Nós guardado em sua cabeça. As lembranças lhe cutucavam feito uma danação. Tudo girava em anti-horário. "De uma coisa não se pode escapar: os senhores são as lembranças", refletia.

Ele queria alimentar aquilo. E por isso achou uma forma eficaz e simples: a cada música, certas lágrimas corriam, o peito sufocado querendo extravasar, e o choro é uma maneira limpa de depurar sentimentos. Escolhia as canções mais dolorosas, aquelas com espinhos em cada letra. Estava entrando em um círculo vicioso: quanto mais canções de dor, mais lembranças de punhal, mais lágrimas loucas, mais dúvidas involuntárias, mais saudades lacerantes, mais canções, mais lágrimas, mais...

E nisso a madrugada nasceu. Resolvera então escrever sobre seus conflitos, mesmo sabendo que isso só nutriria sua fixação nas lembranças. Mas o que ele queria era meter o dedo na ferida, tirar pus, fazer sangrar, inchar e piorar. Talvez assim achasse uma solução purificadora para o caos da incomformação. 

Dedicado, ele passou as silenciosas horas da madrugada a desvendar o mistério escondido por trás de sua covardia em não lutar contra aquele terrível telefonema inesperado do começo dessa frágil história.

quinta-feira

EU RECOMENDO: Dois Irmãos (2010)


 Simplesmente cativante. Essas duas palavras resumem a sensação que tive depois de ver Dois Irmãos, filme argentino lançado em 2010. Com personagens marcantes, o filme se dedica ao tênue relacionamento de Susana (Graciela Borges), mulher egocêntrica, manipuladora e possessiva, e Marcos (Antonio Gasalla), um senhor sensível e atencioso. Ambos são irmãos, mas não se entendem devido ao choque de visões de mundo. Simples assim, o roteiro se constrói focando os atritos entre eles, mas de uma maneira tão deliciosa de ver que o drama por vezes troca de papel com a comédia, e o telespectador mergulha numa confusão de gêneros que torna Dois Irmãos precioso.

A personagem Susana traz um cinismo malicioso que ora se transparece em uma vilã sem coração, outra uma desastrada e desajustada que não sabe o que quer, carregando uma inocente amargura que mais parece uma criança mimada. Esse caráter transitório de Susana dá a personagem uma comicidade que não a torna odiada, salvo em algumas exceções, pois ela sempre está em busca de humilhar o irmão, frágil e compreensivo. Marcos, por sua vez, representa o lado gentil do filme, trazendo o filho dedicado que ficou ao lado da mãe até a hora da morte.

A direção é do argentino Daniel Burman, o mesmo que dirigiu a trilogia O Abraço Partido, As Leis de Família e Ninho Vazio, todos abordando o universo familiar. O roteiro não traz aventuras mirabolantes nem peripécias fantásticas entre os dois irmãos, pois a graça do longa reside nas desavenças e situações cotidianas entre Susana e Marcos e nos desejos e sonhos que cada um guarda e ambiciosa alcançar, cada qual a seu modo.

As interpretações sinceras de Graciela Borges e Antonio Gasalla não deixam que a obra caia na monotonia de um drama chato e caricato. Dois Irmãos prova que com simplicidade no roteiro e um par de atores competentes é possível sair da comédia bobalhona dos enlatados americanos e extrair risos honestos de uma historia que comove e diverte em dosagens justas. A convivência entre os personagens reflete realidades que podemos encontrar em qualquer ambiente familiar, e essa aproximação delicada com nosso dia a dia é mais uma justificativa para que o filme não passe como uma simples distração de final de tarde.               

quarta-feira

Linhas de Salvação


Em cada linha que sair desse lugar haveria de ter uma oração dentro, guardada só para teu alcance. Você leria minhas palavras como se fossem sagradas, intempestivas de felicidade e energia vital. Seria como um desenho dando vida ao seu personagem, que sai do traço para a batida do coração. Se eu pudesse ter o poder da salvação nas minhas palavras nos resgataria dessa tormenta emocional. Tiraria de vez essa nuvem que nos ofusca para ter um caminho limpo pela frente. Eu sei que é tanta explosão a cada hora que fica difícil se controlar. Sinto isso também. Mas, às vezes por covardia ou fraqueza, faço disso uma implosão. Você tem a coragem de romper para refletir, de mudar para renascer. Isso é fantástico, admiro sua capacidade de encarar as coisas de maneira legítima, afinal você é raro. Faz milagres em meu sentimento, simplesmente estando aqui. É por isso que quero, desejo fortemente, ter palavras mágicas, redentoras, libertadoras para te salvar também. Eu te salvo, tu me salvas, nós nos salvamos.

terça-feira

CLÁSSICO: Alien - O Oitavo Passageiro (1979)


Suspense, drama, terror.  Tudo isso contido numa ficção cientifica centrada em um vilão alienígena. É assim que Alien – O Oitavo Passageiro, de 1979, guarda um simbolismo de peso mesmo depois de mais de 30 anos de seu lançamento. Sete tripulantes em uma nave espacial de volta à Terra recebem uma transmissão desconhecida, aterissando em um planeta estranho.  Lá, dão de cara com um ser não identificado, que ataca um deles, que quando resgatado leva junto o alienígena que fará uma aterrorizante viagem como o oitavo passageiro.


O enredo simples caberia numa história trivial de um monstro perseguindo humanos. Mas o diretor do longa, Ridley Scott (Gladiador, Hannibal, Thelma e Louise), transforma o hermético cenário da nave espacial Nostromo num ambiente assustadoramente claustrofóbico onde a tensão reina na tela, e a cada cena o suspense paralisa. Não só bons sustos sustentam o clássico, mas a inteligência de Scott se mostra também numa dosagem sutil de conflitos temperamentais entre os tripulantes, num jogo em que o caráter e as atitudes de cada um humanizam o filme, ultrapassando o rotulo de ficção cientifica boba e mecanizada.


O temido vilão é assombroso: quando filhote tem tentáculos que grudam na face da vitima de maneira sufocante; adultos, tem uma cabeça desproporcional e uma boca que se projeta para fora. Além disso, possuem um eficiente mecanismo de defesa: o sangue se compõe de um acido altamente corrosivo. Com uma criatura dessas, imagine o que sete humanos normais terão que fazer para combater, em nível de desvantagem, o alien. E quem se destaca entre esses humanos é a tenente Ripley, interpretada pela atriz Sigourney Weaver (Avatar, Os Caça-Fantasmas, Orações para Bobby). A atriz é brilhante na atuação junto com o monstro, pois ela realmente transpassa todo o desespero e a vontade alucinada de sobreviver, sem exagerar na artificialidade. Apesar de Sigourney relevar em entrevistas que não simpatizou muito com esse papel e com as outras três continuações da trama, cuja motivação principal foi o cachê milionário, a tenente Ripley foi o primeiro papel principal da atriz na sétima arte.


Um clássico da ficção cientifica, uma atuação primorosa de Weaver, um alienígena implacável e bem projetado, uma referência na filmografia de Ridley Scott: Alien - O Oitavo Passageiro não é apenas mais um filme de extraterrestres querendo sangue, é titulo obrigatório para os apreciadores da ficção bem argumentada e inteligentemente instintiva.

O Primeiro Contato                          O Nascimento                                O Amadurecimento