Lançado em 1986, Cabeça dinossauro, o terceiro álbum dos Titãs, é provocador, explosivo e polêmico, e se firma como referência para a rebeldia com causa do rock brasileiro
O ano de 1986 carimbou mudanças no cenário brasileiro. O país saia do nebuloso período ditatorial, convivia com a morte brusca do primeiro presidente pós-militar Tancredo Neves e o ideal do Diretas Já de 1984 ainda pairava. A economia acelerou com o Plano Cruzado, o ideal libertário explodia nas mentes juvenis e a música também teve sinais de febre alta. Em 1985 acontecia a primeira edição do Rock in Rio, evento de repercussão internacional que espelhou um amadurecimento do rock brasileiro, e os jovens assistiam a um painel de “música de barulho” crescer com qualidade no país.
Apesar de não ter participado da edição inicial do Rock in Rio, os Titãs traziam em 1986 o seu símbolo anárquico: o álbum Cabeça dinossauro, o terceiro LP da banda. Considerado por muitos como um marco divisor na carreira do grupo, o álbum incorpora a energia rebelde que os roqueiros desempenhavam nos shows ao vivo e que foi camuflada nos seus dois primeiros álbuns, Titãs (1984) e Televisão (1985). Nessa época os Titãs iniciaram sua consagração no rock brasileiro com o disco, tendo no grupo, em 1986, oito integrantes: Arnaldo Antunes, Branco Melo, Charles Gavin, Marcelo Fromer, Nando Reis, Paulo Miklos, Sérgio Britto, e Tony Bellotto.
Cabeça dinossauro veio repleto de letras agressivas que criticavam as instituições sociais, como nas faixas “Estado Violência”, “Família”, “Polícia” e “Igreja”, escritas com uma polêmica acidez, porém com inteligência. A ousadia do álbum não se limita ao discurso crítico, mas a estética sonora também se enfurece, composta agora de uma unidade de som mais “pesada” que os discos anteriores, fazendo referência ao punk rock na composição de suas melodias.
O álbum se caracteriza também como a primeira parceria da banda com o produtor Liminha, um dos mais conceituados na área musical, mesmo com uma certa resistência do grupo em aceitar o produtor no projeto. A parceria deu certo, e Cabeça dinossauro ganhou o Disco de Ouro em Dezembro do mesmo ano, atingindo na época a marca das 300 mil cópias vendidas. Em 1997, a revista Bizz, referência no campo musical, considerou o disco como sendo o melhor do pop/rock nacional. Indiscutivelmente, o Cabeça dinossauro é uma explosão consagrada do genuíno espírito de anarquia do rock no Brasil, e que contribui para fazer dos Titãs uma referência até hoje para a música no país.
A obra vem com 13 faixas, com destaque para “Cabeça dinossauro”, a que abre e dá nome ao álbum, e que traz um elemento musical interessante: uma batida influenciada por tambores indígenas. A música se constrói em meio a curta letra composta somente por três versos “Cabeça dinossauro, pança de mamute, espírito de porco”. A mistura com o ingrediente exótico nessa faixa inova e instiga a ouvir o álbum com mais desejo. A faixa “Igreja”, composta por Nando Reis, ateu assumido, se caracteriza num teor impulsivamente agressivo contra o sistema religioso. “Igreja” causou até um mal estar entre os integrantes da banda, pois Arnaldo Antunes, que tinha religião, era contra a execução da música nos shows, nos quais ele se retirava no momento em que era executada.
“Bichos escrotos” também provoca polêmica trazendo em sua letra um teor escatológico, e o uso da expressão “vão se foder”, motivo que fez a faixa ser censurada nas rádios na época. Mesmo com a censura, muitas das emissoras tocavam a faixa ocultando o trecho proibido ou pagando multa ao executá-la na integra. “Homem primata” se destaca pelo contumaz crítica ao sistema econômico, com o imbatível refrão “homem primata, capitalismo selvagem...” que até hoje é lembrado.
Além da religião, os Titãs não deixam escapar outras esferas da sociedade, e mostra nas faixas “Estado Violência”, “Polícia” e “A face do destruidor” que não estão só fazendo música, mas mexendo nas feridas inflamadas que o país vinha apresentando. Essa é uma das razões pela qual o disco continua contemporâneo e vivo na música brasileira, fazendo refletir questões sociais que persistem no decorrer destes 25 anos do surgimento do álbum.
A sonoridade de “Cabeça dinossauro” entra em sintonia com a acidez adequada das letras, trazendo uma velocidade nas músicas com bateria e guitarra através de uma aproximação com alguns traços do punk rock. Esse dinamismo proporciona ao álbum, junto com as composições, uma espécie de energia que desperta o ouvinte para a força de um rock envolvente e provocador. Já na faixa “Família” se percebe um diálogo com o reggae, dando leveza e contrastando com a maioria no álbum. Em “A face do destruidor”, de apenas 37 segundos, o vocalista Sérgio Brito resolve cantar 18 versos nesse curto tempo, confusos devido à rapidez e às bases propositalmente tocadas ao contrário. A intenção dele foi dar uma provocação a mais nesse já espaço inventivo do disco. A faixa que encerra o álbum, “O que”, é um poema criado por Arnaldo Antunes transformado em música, que carrega uma melodia singular, com uma batida diferenciada das demais no uso de instrumentos eletrônicos (bateria e samplers), agradável de ouvir e com sentido visionário para as posteriores criações dos Titãs.
Cabeça dinossauro é, sem dúvida, uma obra de maestria e solidez para o espectro do rock nacional, um ponto de referência para a atitude de protesto que alimentava a “música de barulho”, dando autenticidade aos rebeldes com causa do Brasil de 1986 e persiste no Brasil dos anos 2000. A censura de “Bichos escrotos”, a divergência religiosa de “Igreja”, a desconstrução melódica de “A face do destruidor”, entre outros, expõe a realidade cortante de um álbum de rock que provoca fúria e consciência. A força encontrada em Cabeça dinossauro justifica o seu lugar como um dos melhores álbuns de rock já produzidos no país, e atesta uma das gloriosas fases, senão a mais pulsante dos Titãs, um grupo que há 25 anos constrói história e atitude no cenário da música brasileira.
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