Dispenso definições. Escolho pela metamorfose de escrever livre, longe de qualquer vulto de encaixe. Se me perguntarem sobre o que é isso, hesito em responder. Apenas sinto...

quarta-feira

Celular: liberdade sufocada?

O celular trouxe para o homem mais autonomia e praticidade, mas também uma relação de dependência

De produto de luxo, o celular se popularizou e hoje se tornou um item constante na vida do indivíduo. Dos arcaicos “tijolos” até as atuais miniaturas, este aparelho vem incorporando cada vez mais recursos e funções, e essa alteração tecnológica tem exercido sua influência no comportamento dos seus usuários. Paralelo às inovações, a demanda de celulares aumentou vertiginosamente e é raro hoje encontrar alguém que não possua celular. Segundo dados da Anatel, o Brasil terminou o mês de abril de 2011 com 212,6 milhões de celulares, significando uma densidade de 109,3 celulares por 100 habitantes. Isto representa mais de um celular por brasileiro.
E essa explosão de aparelhos reflete uma idéia atual de que ter um celular é uma necessidade e não mais um acessório. De acordo com a pesquisadora social Janusy Mara, da Unicap, essa necessidade decorre por vezes não de um desejo pessoal, mas sim de uma exigência coletiva que faz gerar na pessoa o desejo pelo aparelho. “O indivíduo passa a estar subordinado a vontade coletiva, e sua necessidade é criada por seu grupo de referência, independente da classe que ocupa. O controle social está nos mecanismos de persuasão, difamação e exposição ao ridículo. A sociedade, criando a necessidade de se ter um celular, expõe quem não o tem ao ridículo”, diz Janusy. O celular vira então sinônimo de reconhecimento pessoal diante de uma sociedade da velocidade e da rotatividade, elementos incorporados na função social do aparelho celular.
E diante dessa necessidade imposta pela sociedade, o celular vem acompanhando as transformações exigidas por essa rapidez da vida moderna. Antes feito para a função básica de fazer e receber ligações, hoje este aparelho renovou nos recursos disponíveis, tornando-se um equipamento multifuncional. Câmera fotográfica, acesso à internet, tocadores de música e vídeo, GPS, rádio e conexão Bluetooth são itens constantes nos aparelhos. O especialista em tecnologia móvel, Filipe Rangel, explica essa característica: “Está ocorrendo uma acelerada convergência de tecnologias para o suporte do telefone móvel. O celular se tornou ponto de referência para a absorção de tecnologias novas. É a praticidade de poder juntar tudo num equipamento pequeno, onde as pessoas possam ter um grande poder de locomoção e autonomia”, revela Filipe.
Os recursos tecnológicos têm possibilitado aos usuários de celulares uma nova forma de comportamento. É possível captar fotos de onde se esteja, gravar vídeos de algum instante imperdível, se localizar através do recurso GPS, ouvir rádio, transferir arquivos através de conexão Bluetooth e o acesso a tão globalizada internet. Uma verdadeira concentração de recursos que permitem ao usuário ingressar em diversos processos informacionais e interacionais em movimento.
O acesso à internet é um dos recursos mais destacados, pois reflete essa dinâmica da interação tecnológica. Em muitos celulares de hoje, a internet, além da navegação virtual, dá suporte a redes sociais, como Twitter, Facebook e MSN, e com isso a relação do usuário com o celular ganha força. O dentista Flávio Bekerman, que já possuiu 15 aparelhos, mostra uma relação íntima com essa tecnologia. “A mudança na minha vida é total. Antes era um simples telefone. Agora, é meu computador móvel, minha companhia na hora do almoço, pois, enquanto sento sozinho para comer, tenho acesso à informação e me comunico com o mundo. Já virou um vício. Eu tenho de me policiar, pois tenho contas no Facebook, Twitter e MSN. Se eu me distrair, perco a noção de quanto tempo fico com o aparelho na mão”, afirma o dentista.
Outro aspecto dessa relação é a vantagem de poder concentrar toda essa portabilidade tecnológica em um só equipamento, que além de ser pequeno, pode ser usado em qualquer lugar. A gerente de lojas Maria Dalva ressalta: “Eu não preciso andar com câmera digital, notebook ou aparelho de mp3 quando saio de casa. Eu tenho todas essas funções dentro do aparelho, e isso me dá uma sensação de liberdade e de praticidade. Além de economizar dinheiro, economizo também complicações”, confessa Dalva. A estudante de odontologia Karen Richers utiliza o celular em todos os seus horários do dia, com o despertador para acordar, ouvir música no transporte coletivo e acessar a internet na faculdade. “Eu saio de casa sem a bolsa, mas não saio sem o celular”, desabafa a estudante.
Essa liberdade tão desejada traz um paradoxo que se sobressai em nossa sociedade, que é uma relação de dependência com o aparelho. Como explica a psicóloga Anna Lúcia, do Instituto de Psiquiatria da UFRJ: “Com esta nova liberdade, novas regras de coexistência têm influenciado e ditado pela comunicação e interação entre os indivíduos. Esta mobilidade leva a uma sensação de liberdade e a uma percepção de que podemos ter o mundo em nossas mãos. Essa sensação pode gerar um comportamento ambíguo de poder e medo”, diz Anna.
E já se fala em um transtorno relacionado a essa dependência, chamado de nomofobia, que se caracteriza como um transtorno do controle dos impulsos com um forte componente de ansiedade generalizada. De acordo com a psicóloga Sylvia van Enck, da USP, os nomofóbicos são pessoas que mantêm o celular à mão 24 horas por dia, abandonam as atividades para atender qualquer chamada do celular, sentem-se rejeitadas quando ninguém lhes telefona e apresentam crise de abstinência quando estão longe do aparelho, como alterações de humor, taquicardia, ansiedade e suores frios. Entretanto, muitas vezes a nomofobia fica camuflada devido ao fato da sociedade aceitar esse tipo de “abuso tecnológico” como natural. “A nomofobia pode acometer pessoas bem-adaptadas, que trabalham, estudam ou são casadas. Por isso, o problema não chama a atenção, são poucos sinais visíveis que denunciam a dependência”, alerta a psicóloga Juliana Bizeto, da Unifesp.
E nessa sociedade tecnológica em expansão, o desejo de consumo gerou uma necessidade do individuo de se organizar em múltiplos papeis sociais que exigem um alto poder de comunicação. E o celular é um instrumento nato desse processo. A pesquisadora Josyane Llannes explica: “Um indivíduo é ao mesmo tempo pai de família, empregado de uma fábrica e membro de um clube, de um partido político, de um sindicato, de uma igreja, etc. Essa complexa estrutura da sociedade acaba também demandando uma grande necessidade de comunicação entre os indivíduos. Porém, quando as pessoas se tornam dependentes dessa comunicação ativa, podem se tornar nomofóbicas”, conclui Josyane. 

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